Na
continuação de sua crítica ao historiografismo continuísta no campo da
Espistemologia, Foucault recorda que haver quem veja em Bonnet, Maupertuis,
Diderot, Robinet, Benoit de Maillet indícios evolucionistas. Ele pondera, no
entanto, que as análises destes só contemplam o quadro das identidades e das
diferenças, e só possuem dois meios para pensar a unidade deste quadro.
O
primeiro de tais meios consiste em integrar, na continuidade dos seres e na sua
distribuição em quadro, a série das sucessões, numa evolução infinita rumo a
Deus. Mas uma espécie não alcança nunca a outra, pois todas evoluem rumo a
Deus, mantendo entre si relações constantes. Como em Bonnet: o homem sairá do
planeta, e dará a primazia entre outros. Haverá Newtons entre os macacos.
Este
evolucionismo não é uma forma de conceber o aparecimento duma espécie a partir
doutra, mas de generalizar a continuidade. Não há hierarquização progressiva,
mas o surto constante de uma hierarquia instaurada, o que supõe o tempo não
como princípio de taxonomia, mas como um dos fatores. Neste sentido, as
catástrofes seriam programadas para melhoramento dos seres.
A
outra forma de evolucionismo inverte o papel do tempo. Este não serve mais para
deslocar sobre a linha da perfeição o quadro dos seres, mas para fazer surgir
sucessivamente as partes do quadro. Tal noção inclui a adaptação, p.ex. dos
peixes em pântanos.
Aí,
entretanto, não há ainda um meio agindo nas funções e órgãos; os elementos
exteriores só intervêm ocasionalmente para fazer surgir o caráter. Esse quadro
se é condicionado a eventos é possível a
priori pelo quadro geral das variáveis que define todas as formas eventuais
do ser vivo.
O
quase-evolucionismo parece que pressagia tanto a variação espontânea do
caráter, como em Darwin, quanto a ação positiva do ambiente, como em Lamarck.
Mas para esta forma de pensamento, o tempo desenha somente a linha na qual
sucedem os valores possíveis das variáveis prestabelecidas.
Isto
torna preciso um princípio de modificação interior ao ser vivo capaz de
permitir-lhe assumir novo caráter. Tal principio ora é visto como: a) aptidão
espontânea para mudar total ou parcialmente de forma, ou b) a busca por uma espécie terminal que possuiria
os caracteres de todas as precedentes num grau mais alto de complexidade e
perfeição.
O
primeiro sistema é o dos erros ao infinito, encontrado em Maupertuis. Haveria
um equilíbrio na natureza, entre a memória do contínuo e o pendor para o desvio,
que assegura, a um só tempo, a história, as diferenças e a dispersão. As
partículas materiais seriam dotadas de atividade e memória; elas se atraem, e
as menos ativas formam minerais, e as mais ativas, os animais.
Essas
formas, fruto da atração e do acaso, somem quando não podem subsistir; as que
se mantêm geram seres com memória dos progenitores, até que um casual desvio de
partículas faça nascer nova espécie mantida pela obstinada memória a natureza
só tem história porque é possível o contínuo.
O
outro sistema é o do protótipo e da espécie terminal. Continuidade não da
memória, mas do projeto: um ser complexo para o qual tende a natureza a partir
de elementos simples que ela comina e organiza.
Em Robenet, como lá em Maupertuis, a sucessão e a história são apenas meios
de percorrer a trama das variações infinitas de que é susceptível a Natureza.
Em
tal perspectiva, o contínuo é condição do tempo, pois este é limitado, não o
contrário. Daí o monstro e o fóssil, ensaios, como a antropocardite, ligando
história e taxonomia. Um é a diferença, sem lei nem estrutura fixa; o fóssil é
a semelhança ínsita nos desvios naturais. Os dois são a projeção retrospectiva
que definem para a taxonomia a estrutura e depois o caráter; são o espaço entre
o quadro e o contínuo, onde a identidade ainda é muda analogia, e a diferença
constante é casual variação. Mas é impossível para a história natural pensar a história
da natureza, pois o devir não é estudado, mas anotado como etapa necessária
entre os elementos do quadro.
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