Enrico
Berti, em seu estudo sobre a ciência não apodítica em Aristóteles, apresenta
uma outra característica interessante da mesma, e que pode aparentar
contradição com o senso comum e com a filosofia tradicional, a princípio: a
idéia de que a inteligência, em suas proposições ou captações, está para além
da verdade e da falsidade.
Pode
parecer estranho que o noûs não se
submeta ao crivo da verdade ou da falsidade. O lógos apodektikos, a razão demonstrativa, sofre com uma dupla
constrição: ela precisa da validade e da verdade. Precisa da validade de sua
demonstração, que deve seguir regras e assumir alguma das figuras silogísticas
possíveis. E necessita da verdade de suas premissas, pois um raciocínio correto
com premissas falsas não conduz à verdade.
E
quanto ao noûs? Estaria ele
dispensado da tarefa de assegurar a verdade de suas afirmações? Sim. Mas não
porque a verdade lhe seja desimportante, e sim pelo fato de que ela já lhe está
garantida. O noûs sempre apreende a
verdade. O homem pode permanecer na ignorância de certa verdade fundamental,
mas, quando ela se exibe a ele, ele a capta originariamente.
Assim,
diferentemente da ciência apodítica, que pode ser julgada pelo cânone do
verdadeiro e do falso, a ciência não apodítica o há de ser pelos critérios do
conhecimento e da ignorância. Se ainda se ignora as verdades fundamentais, a
inteligência ou intelecção do real ainda não se deu. Quando se tem as verdades,
o conhecimento originário já se realizou.
Enquanto
a ciência apodítica pode errar o
alvo, a ciência não apodítica pode, somente, não atingir a verdade. Seu tiro é sempre certeiro, embora nem
sempre lhe haja flecha.
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