Conforme
visto no estudo n° 15, costuma-se identificar o noûs aristotélico ao conceito de intuição em si mesmo, ou a alguma
de suas modalidades ou possibilidades.
Viu-se,
no entanto, que eles se distinguem claramente, ao menos se tomamos por intuição
aquilo que tradicionalmente se considera tal.
Todavia,
esta distinção não implica na negativa da possibilidade da intuição, nos
quadros do pensamento aristotélico ou, pelo menos, de um moderno aristotelismo.
Apenas se observe que se trata de uma coisa distinta.
Se
é assim, de que maneira sintética e transparente se pode efetuar esta distinção
de modo a fazer com que ela fique mais clara?
A
resposta para isto se encontra na seguinte enunciação de Berti: o noûs aristotélico não é intuição, mas
clarificação do saber.
Seria
o caso de se perguntar: mas há de fato diferença entre uma coisa e outra? A
intuição, seja ela qual for, não é uma luz, um facho, uma claridade?
Clarificar,
por outro lado, não significa lançar luz sobre algo obscuro e torná-lo, a
partir de então, intuitivo?
A
intuição é claridade. Mas não é clarificação. Clarificar é fazer com se abandone
ou se diminua a obscuridade de uma coisa obscura ou pouco clara. É compreender
melhor o que se compreendia mal.
A
claridade da intuição, em contrapartida, corresponderia a uma iluminação
súbita, a um sair da invisibilidade para o brilho da plena presença, um
revelar-se fenomênico da coisa. Seu oposto não é o percebido ou compreendido
mal, mas o inapercebido.
Um
olhar mais atento mostrará que ambas são aspectos de uma mesma realidade. São
solidárias.
Pense-se na descoberta do micróbio. Este descobrir, ensejado pelos
recursos da microscopia, foi uma intuição – uma intuição sensível, um perceber
o que não se percebia antes. Algo que saiu do nada para o ser, da treva para a
luz, da ignorância completa para a ordem do dia.
Agora,
a compreensão de que o micróbio é a causa da uma doença tal, não se trata mais
de intuição, mas de uma inteligência, de um noûs.
A doença já foi intuída. Causas para ela foram postuladas. De repente, sob
condições favoráveis, se deu a sacada.
Descobrir
a circulação do sangue foi uma intuição. Perceber que o sangue jorra (de uma
ferida, por exemplo) porque circula, é uma constatação clarificadora do nous.
É
claro que,na perspectiva de outras ontologias, pode acontecer a assimilação da
intuição pela noesis ou vice-versa. Pode-se pensar que toda intuição não passa
de clarificação – de que nem mesmo a primeira experiência do mundo pelo infante
era puro deslumbrar.
Na
contramão, é possível dizer que toda clarificação é intuição, que todo
esclarecimento do velho é já novidade, que toda modificação é mudança.
Em
Aristóteles, todavia, a coisa é distinta. A aisthesis e a empiria podem ser
vistas como faculdades intuitivas, no sentido de que nelas eu apreendo os
particulares isolados ou agrupados.
Já
o nous é a clarificação da aisthesis ou da empiria, pelo desvendamento do
princípio subjacente àquele caso particular da aisthesis, ou ao conjunto de
casos da empiria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário