Foucault - As Palavras e as Coisas - Os Paradigmas do Método e do Sistema na História Natural do séc. XVIII

Como se viu no estudo sobre o “Caráter”, a singularidade globalizante dos traços estruturais dos seres, a sua constituição formal individual, serve como contraponto ao caráter universalizante da Estrutura. Ambos se completam na descrição classificatória das formas da Natureza.

Contudo, é difícil traçar identidades e diferenças levando em conta os infindáveis traços trazidos à descrição. Por isso, surgiram aí duas técnicas de controle. Ou faz-se comparações totais em grupos de semelhanças manifestamente abundantes onde a diferença é bem delineável. Ou se escolhe um conjunto de traços dos quais serão observados constâncias e variações nos seres que os tiverem. Aquele é o paradigma do Método, este é o do Sistema. Respectivamente, os de Buffon e Lineu. Concepção rígida e percepção fina, natureza imóvel e continuidade fervilhante.

No paradigma do Sistema, a estrutura que é o lugar da identidade. O da diferença é o caráter, delimitado por uma descrição preliminar, e consolido pela comparação. É arbitrário, pois negligencia tudo que não cai sobre a estrutura escolhida, seja identidade ou não.

A pretensão é um dia descobrir um sistema natural, onde a todas diferenças de caráter responderiam as de mesmo valor na estrutura geral da planta[TE1] . Inversamente, os indivíduos ou espécies reunidos teriam as mesmas semelhanças parte a parte.

Já o Método natural é a meta dos botânicos. O sistema pode ter precisão variável, conforme a menor generalidade da estrutura, o distanciamento entre o caráter e a descrição. O estame ou o pistilo separariam ordens, enquanto raízes seriam demasiado numerosas.

Em vez de recortar os elementos que servirão de caracteres, o método os deduz (subtrai) progressivamente a partir de uma espécie, da qual se faz um descrição completa e fixando os valores da variáveis. Recomeça-se na espécie seguinte, mas sem repetir-se nada já observado, até que sjam fixadas todas as diferenças. O caráter que distingue cada espécie é o único mencionado traço sobre o fundo das semelhanças silenciosas. Embora mais segura, é interminável dado o número de espécies.

Tal exame, entretanto, revela grandes famílias. Só há um método, mas infindáveis sistemas. O sistema parte de caráter interno predefinido; o método se impõe de fora por semelhanças e contrastes, transcreve imediatamente a percepção no discurso, ficando o mais perto da decrição. Ele pode retificar-se, mostrando como acidental o antes descrito como essencial numa família.

Para Adanson, o método só difere do sistema pela idéia que o autor vincula a seus princípios, encarando-os como variáveis no método e como absolutos no sistema. O sistema só pode reconhecer, entre as estruturas, relações de coordenação: o valor está na frequência, na eficácia combinatória. Nele, os caracteres essenciais distinguem as famílias, enquanto, para Lineu e Tournefort, o essencial define gênero, bastando caráter fictício para diferenciar famílias.
           
No método, em compensação, é possível a subordinação da espécie à família, pois a organização geral e suas dependências internas dão-lhe primazia sobre a translação lateral de um equipamento constante de variáveis.

Sistema e método repousam sobre mesma episteme: o quadro contínuo, ordenado e universal de todas as diferenças possíveis. No ´sec. XVI, a identidade era assegurada pela marca visível ou não portada; as aves não traziam diferenças entre si, mas no modo de caçar, na rotina, etc. A partir do XVII, cada designação se deve fazer pro certa relação com outras designações possíveis. É-se aquilo que os outros não são, o resíduo diferencial.

Método e Sistema são as duas maneiras de se definir as identidades pela rede geral das  diferenças. Em Cuvier, AS leis internas do organismo tomarão o lugar dos caracteres externos diferenciais. A classificação, como problema constitutivo essencial da HN alojou-se entre a teoria da marca, renascentista, e a teoria do organismo, já indelevelmente biológica.



 [TE1]Talvez aqui possa se fazer uma comparação com o direito natural, no qual este buscaria achar o sistema de direitos na natureza, mas sem considerar que o seiu ponto de partida é arbitrário, e que tendencialmente se aproximaria do sistema ínsito na natureza. 

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